Ganhador do Oscar, “Indústria Americana” estimula reflexão para além do “embate” sino-americano

A obra provoca uma reflexão fundamental nestes tempos de economias em crises e mercados cada dia mais disputados: como manter uma empresa produtiva e competitiva?

Quem assistir com olhar mais atento o recente ganhador do Oscar de melhor documentário vai perceber que “Indústria Americana” pode ser mais do que um filme que mostra os conflitos entre os trabalhadores norte-americanos e a gestão chinesa no cotidiano de uma fábrica nos EUA.

Para além disso, a obra provoca – inclusive para o contexto brasileiro – uma reflexão fundamental nestes tempos de economias em crises e mercados cada dia mais disputados: como manter uma empresa produtiva e competitiva?

O filme mostra um enorme choque cultural. De um lado, o líder da empresa chinesa apontando os trabalhadores americanos como improdutivos, e, de outro, os trabalhadores e supervisores americanos incrédulos observando o modelo chinês, retratado no documentário através de episódios que mostram líderes autoritários,  rígida disciplina, salários baixos, longas horas de trabalho, poucas folgas no mês, restrições à organização sindical,  condições de segurança deficientes, tudo isso considerado “normal” no país de origem.

Mesmo assim, os trabalhadores da cidade buscam trabalhar na empresa, uma das melhores opções na região, que havia passado por enorme depressão, após o fechamento da fábrica da GM, que funcionava no mesmo local.

Não sei como foi sua experiência ao assistir o filme. Eu fui ficando com um nó no estômago ao ver a situação daquelas famílias de trabalhadores conforme o filme se desenvolvia. A “indústria americana” que existia anteriormente naquela comunidade não se mostrou competitiva e fechou as portas. O modelo de “indústria chinesa” que se instalou tampouco se apresenta como uma alternativa.

Isso nos faz refletir sobre a nossa “indústria brasileira”, com os seus inúmeros problemas de competitividade no cenário internacional. Qual é o nosso futuro? Fechar portas ou adotar o modelo chinês?

Felizmente, não existem somente essas alternativas. A única saída é sermos mais produtivos, dentro e fora das fábricas. Fora, temos o custo Brasil e as condições estruturais, largamente discutidas na sociedade. Dentro, temos o aspecto menos lembrado, o da gestão.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que, em empresas com gestão de ponta, já se tem certeza de que mais importante do que trabalhar “mais” é trabalhar “melhor”. Essa, aliás, é a essência do sistema lean.

Esse modelo de gestão nos prova que não adianta trabalhar muitas e muitas horas se essas forem consumidas em processos ruim, mal planejados, repletos de problemas e retrabalhos, sem melhoria contínua ou sem inovação. Nesse contexto, o excesso de horas tenderá a gerar ainda mais prejuízos. Assim como já é claro para gestores modernos que “precarizar” as condições de trabalho, principalmente em questões de segurança, jamais será um caminho de obtenção de produtividade e lucros.

O inverso se comprova: é muito mais produtivo trabalhar menos, desde que isso seja feito com base cotidiana na identificação e resolução problemas, na eliminação de desperdícios, no aumento da agregação de valor aos clientes em tudo o que se faz. E para isso é preciso um ambiente em que todos, sem exceção, possam contribuir para a melhoria contínua.

Essa lição, aliás, aparece no documentário em uma cena, um tanto escondida, é verdade, quando uma liderança da fábrica tenta mediar uma intensa briga entre uma operária norte-americana às lágrimas e seu supervisor chinês bastante agressivo e contrariado, quando discutiam sobre um problema na linha de produção.

Após observar o conflito, o supervisor faz o seguinte comentário: “em vez de tentarem encontrar uma solução para o problema que tiveram, eles querem saber quem está errado. Nesse caso, os dois estão errados”.

O filme, além de seus méritos enquanto documentário, que lhe valeram o Oscar, estimula uma profunda reflexão para líderes, gestores e trabalhadores, sejam americanos, chineses, brasileiros ou de qualquer país.

Essa reflexão, espero, levará muitos à conclusão de que a única forma de produzirmos bens de qualidade que atendam às necessidades da sociedade é através de processos altamente produtivos, que gerem posições de trabalho dignas. Não existe contradição entre essas coisas, desde que tenhamos bons processos que sejam resultado de sistemas de gestão avançados e que aproveitem a inteligência de todos na solução de problemas e na inovação.

*Texto escrito por Flávio Picchi – presidente do Lean Institute Brasil e Prof. Dr. da Unicamp

Assista ao Trailer!

Fonte: Época Negócios

Leia mais críticas sobre o filme nos blogs especializados Cinema com Rapadura e Omelete.

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